quinta-feira, 23 de junho de 2011

Bernardo - o taxista e o tempo

O Pedro tinha-me ligado, cerca da meia-noite. Não se estreava no feito de me telefonar na véspera e apenas impor a hora a que partiríamos no dia seguinte. Nem sequer percebi o nome do destino, apenas a hora da alvorada e, no final, penas disse: Combinado!

Ás sete em ponto, o Bernardo já estava na recepção do Hotel, saudei-o e pedi-lhe que esperasse uns minutos apenas. Senti pela primeira vez frio em Maputo, e regressei ao quarto para vestir um agasalho.

O Bernardo é taxista. É hábito meu brincar com ele e dizer-lhe que vou torná-lo o taxista mais responsável de Maputo, mais cumpridor dos horários que os clientes impõem, etc, etc. Um taxista pode ser muito mais do que um motorista, e o Bernardo é ainda mais que essa função. (Todos somos muito mais do que funções, certo?)

Recordo-o ainda no meu primeiro dia de chegada ao aeroporto de Maputo, quase encoberto por dezenas de outros com interesses como os dele, que se sobrepoem e se empurram desordeiramente para alcançar o passageiro com a referência que trazem, ou o cliente que precisam para, pelo menos, garantir a refeição do dia.

No meio de tantos aparentemente como ele, tento fazer um apelo a minha capacidade de observação, e só aquele rapaz de sorriso condescendente, que segurava um papel rude e sujo, onde mal se distingue o meu nome, poderia ser o Bernardo. Em Lisboa, muito provavelmente este nome sugeriria de imediato que fosse um qualquer taxista da Linha, ou arredores, e mormente, estou certo que tantos teriam tanto a aprender com o Bernardo...

Não me recordo de em nenhuma vez que tenhámos combinado um horário, que o mesmo tenha sido cumprido, no entanto e, mais uma vez reinicio o conflito com o tempo de África. O tempo é muito relativo, e aqui ainda é mais, e então porque é que o relógio do Bernardo teria que ser o meu?

Nos primeiros dias a minha expectativa era elevada para fazer cumprir a pontualidade, e de resto raramente os meus reparos nesse sentido produziriam efeito. Hoje estou praticamente conformado, as coisas acabam por acontecer no tempo, no tempo em que têm de acontecer, não só por estar numa vida diferente, não só por ter uma vida diferente, agora.

Sempre, na Europa, me imprimiram um ritmo alucinante, e tantas vezes dei por mim a correr, mesmo ao encontro do tempo livre, mesmo ao encontro da areia e do mar, ainda que tivesse a confirmação de que mesmo que me atrasasse, eles ainda permaneceriam lá.

Aqui, neste mundo, sinto até uma certa impotência, quando tento impôr minha própria velocidade, o meu cronómetro, mas o tempo não me pertence, já não me pertence, nem sequer os sítios...

(Seria neste post que explicaria o sentido do título do meu Blogue? E já agora, "Blogue" existe?)

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